O circo em prol da natureza
Trupe usa a arte para proteger o meio ambiente
Trupe usa a arte para proteger o meio ambiente
José Vinícius
Estagiário
Quando você ouve falar em “circo” costuma pensar no palhaço, no trapézio, nos mágicos. Mas você consegue associar meio ambiente ao circo? Consegue unir preservação ambiental e pirofagia? Pois um grupo de jovens de Belo Horizonte consegue, desde 2007, unir a vontade de fazer arte circense com a preservação do meio ambiente. Trata-se da Trupe Gaia, em que seis jovens encontraram na defesa da natureza um motivo para viver e trabalhar. Desde 2007 a trupe, formada dentro do “Manuelzão”, um projeto de proteção ao Rio das Velhas feito há 13 anos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trabalha em projetos e espetáculos em todo o estado de Minas Gerais, sempre envolvidos na causa ambiental. “Os gaias”, como se denominam, são Gustavo Gaia, Maria Elisa, Liza, Ramon, Lobão e Geraldo.
Segundo o líder da trupe, Gustavo Gaia, a ideologia que os rege se baseia na Hipótese de Gaia, de James Lovelock. “Enxergar o planeta como um organismo vivo, semelhante ao corpo humano, sendo que depende do todo para sobreviver. A ideologia foi trazida para o Brasil por Leonardo Boff, ambientalista e escritor, e rege o grupo. Com base nisto lutamos por causas que buscam proteger o meio ambiente, cuidar da fauna, da flora, dos rios, dos peixes, e usamos as artes circenses para sensibilizar as pessoas”, explica Gustavo Gaia.
Uma das coisas que Gustavo destaca é que o artista é modificado a cada apresentação, e não só a criança ou o adulto que assiste. “A maioria dos trabalhos muda a gente também. Sempre afirmo que é melhor sensibilizar as pessoas do que conscientizar. Quando você sensibiliza você faz esta pessoa participar junto com você. Um método bom para sensibilizar as pessoas é a forma lúdica, e o circo cumpre este papel. Desperta a criança em cada um, arranca sorrisos, mesmo que a pessoa seja um adulto que trabalhou o dia todo. E faz a gente sorrir também. A gente sempre precisa sorrir mais do que a criança” afirma Gustavo.
Início: Manuelzão
A trupe surgiu em 2007, mas dez anos antes surgia o projeto de onde nasceriam “os gaias”. Por iniciativa de professores de medicina da UFMG, o “Projeto Manuelzão” foi criado em janeiro de 1997. Uma das matérias do curso consistia em um “internato rural”, em que os estudantes passavam cerca de três meses em municípios do interior de Minas desenvolvendo atividades de medicina preventiva e social. Com o tempo, os professores começaram a perceber que não dava para somente medicar a população de períodos em períodos. Era preciso atuar na causa do problema. E nisto consiste o projeto, que a saúde não é só uma questão médica, mas que as melhorias ambientais são necessárias para promover a qualidade de vida.
“Os médicos perceberam que tinham que trabalhar de forma que as pessoas se contaminassem menos, e um dos principais causadores de doenças, principalmente nas cidades ribeirinhas, é a poluição na água dos rios. Então o projeto focou no Rio das Velhas, e começou o trabalho”, conta Rafael Salvador, 24, apelidado de Lobão pelas semelhanças físicas com o cantor. Ele explica também que o nome “Manuelzão” é uma homenagem ao vaqueiro Manuel Nardi, eternizado nos escritos de Guimarães Rosa. Manuel faleceu em maio de 1997, meses após a criação do projeto. Gustavo trabalhava no projeto em 2007. Lobão e alguns outros integrantes da trupe eram voluntários.
Cabeça de peixe
Nas expedições realizadas pelo Manuelzão, Gustavo começou a perceber que o número de crianças nas cidades por onde eles passavam era muito grande, chegando a quase 10 mil. Começou a pensar o que poderia fazer para atingir de uma forma melhor estas crianças e fazer com que elas se interessem mais pela preservação do rio. Deste pensamento surgiu a trupe. “Eram muitas crianças, então comecei a pensar em pintar o grupo como palhaços, para interagir e trazer algo diferente. Quando fui comprar o material encontrei uma cabeça de peixe, e ali mesmo imaginei um personagem, o peixe Bumba, que surge do encontro de dois bois. Ali nasce a esperança de um rio: É uma referência à imagem folclórica do Boi Bumbá e tem como objetivo uma nova consciência, que é chamar a atenção das pessoas para a necessidade de conservação das águas e do importante papel das crianças na preservação de um rio limpo e saudável para cidade”, relembra Gustavo.
A cabeça de peixe é uma das marcas do projeto hoje, sendo que recentemente, o candidato a senador Aécio Neves, junto com o ex-governador Anastasia, estiveram no Rio das Velhas e vestiram o acessório. Gustavo mobilizou o pessoal a participar dos teatros, e criaram uma peça sobre mata ciliar. Vale lembrar que Gustavo nunca tinha trabalhado com teatro, não tinha formação artística circense, mas tinha uma vontade, a vontade de mudar.
Foi em um destes trabalhos que Lobão começou a se interessar pela arte circense. “Teve um espaço de convivência, onde foi realizada uma oficina de malabares. Nunca tinha feito nada parecido, mas achei legal e fui tentar. Trabalhava na faculdade de medicina e fazia o curso de meio ambiente, mas ali o circo me fascinou”, conta Lobão, que hoje faz arte com malabares, com ioiô chinês, pirofagia, encena como o palhaço Chinelada, entre outras atividades.
Artivista
Academicamente falando, Gustavo Gaia é um ecólogo cursando o nono período, mas o processo de formação atual que ele esta vivendo é totalmente diferente do que se aprende nas cadeiras da faculdade. “Eu estou quase terminando a minha faculdade, mas na verdade, estou em outro período de formação: estou virando um palhaço”, brinca.
O líder da trupe afirma que a intenção do grupo é crescer cada vez mais, trabalhando deste mesmo jeito, defendendo uma causa, lutando por algo. “Os planos, tanto individuais como em grupo, estão voltados a continuar este projeto, pois sensibilizar crianças e adultos para a proteção, seja dos animais, como dos peixes e das matas é algo de extrema importância em um mundo moderno como o nosso. E aí entra o termo “artivista”. Queremos trabalhar com isto, mas sempre em projetos que tenham um ‘porque’, não só por um pagamento ou por uma projeção, mas sim para afirmar mais uma vez a ideologia da Trupe de Gaia. A arte tem o dever de trabalhar para um mundo melhor, e é isto que pretendo defender a minha arte”, declara Gustavo.
Modificando pessoas
O artivista Gustavo é da pequena cidade de Estrela do Indaiá. Aprendeu a arte circense quando estava na capital mineira, mas fez questão de incentivar os jovens da sua cidade. Hoje, uma das coisas comuns em Estrela do Indaiá é encontrar jovens artistas.
“Depois do Manuelzão, quando surgiu a idéia do teatro, dos palhaços, é que fui aprender coisas sobre o circo. Comecei com os malabares, aprendi e levei a arte para a minha cidade. Uma cidadezinha com 4 mil habitantes tem hoje mais de 50 malabaristas, muitos dominam esta arte melhor do que eu até. O cara que concerta bicicletas está fazendo monociclos para os jovens aprenderem, e com isto a arte circense está tomando conta da cidade. O interessante é a filosofia dos malabares, que funciona também como uma filosofia de vida. Se o pino cai no chão, você pega e continua. É assim que as coisas têm que ser, sem desistir. Se você deixou cair, levanta e continua”, declara.
A trupe também possibilita o acesso de pessoas na capital mineira às artes circenses, por meio da Gaia Malabares, que além de fornecer material realiza oficinas e aulas. “Em Belo Horizonte não tinha como comprar malabares e outros artigos necessários para a prática da arte circense. Então criamos esta loja, onde vendemos o material para os jovens praticarem, para fazer ‘sinal’ (fazer malabares em semáforos das grandes cidades)”. Segundo ele, o benefício maior disto, das artes circenses se tornarem urbanas, é para o motorista que se depara com a arte em um momento estressante, como por exemplo, o trânsito. “Uma coisa que tem que ser falada é que o jovem que faz sinal o faz de forma gratuita, sem exigir nada em troca. O beneficiado é o motorista, que tem a arte naquele momento para fazer uma quebra na rotina, naquilo que ele vive diariamente. Mas claro que o malabarista passa o chapéu, por que este é um dos grandes prazeres que nós temos. Não é nem receber um cachê, mas sim rodar o chapéu na praça e receber a aceitação do público ali mesmo”, declara Gustavo.